Dia Primeiro de Julho foi um dia significativo para mim. Comecei-o em uma manifestação em homenagem ao jovem turista francês que caiu do bondinho nos Arcos da Lapa. Homenageamos Charles Damien Pierson com 24 balões brancos pelos 24 anos de sua vida, ceifada de modo absurdo no dia 24 de junho, uma semana antes.
Ao vermos os balões brancos sumindo no céu azul do Rio de Janeiro, todos experimentamos essa coisa inefável que chamo de transcendência. É nesses momentos que sentimos sermos partes de algo maior, imensamente humano, que se manifesta na reunião em torno de algo comum, por ritualizarmos um acontecimento triste, mas imprimindo um sentido coletivo a ele. Não era só a tragédia que acometeu a família desse rapaz. Seus amigos. É uma tragédia que tem a ver com todos nós que corremos esse risco. Que lutamos incessantemente para que ele não exista. Não a esse ponto!
Depois voltamos para o nosso cotidiano, esse que nos absorve a todos, mas acho que mais inteiros.
Voltei para a minha vida doméstica, mas depois de escutar um trecho do Hino Nacional e da Marselhesa ao lado daquela que é talvez a construção mais antiga do Rio de Janeiro, os Arcos da Lapa, nada deixaria de ser transcendente.
Muitos moradores de Santa Teresa não têm carros e, fazer grandes compras em um supermercado na Rua Riachuelo pode significar ir de táxi. Mas, curiosamente, no caixa, encontrei uma vizinha do bairro. Lembrava dela por causa de sua cachorrinha que encantava o meu nobre Pituca. Conversamos sobre eles. A sua mascote também tinha morrido. E,obviamente, rachamos o transporte para vir para cá. Não nos conhecíamos. Nunca tínhamos conversado. Mas o viver em comum em uma determinada localizada nos aproximava.
Em casa, enviei fotos para a jornalista do Portal da Record que tinha me ligado em pleno supermercado, sem caneta. Horrível andar sem caneta. Devo ter feito um escândalo no supermercado, pois falo alto pelo telefone. Mas o esforço valeu. Publicaram a notícias e as fotos. Também no site do Globo.
E a transcendência continuou nesse dia. Peguei minha filhota na creche. Dormiu sozinha. Raro. Ajudei-a com a presença. Não com meu leite. É tão bom ver ela crescendo bem. Mas essa tarde eu tinha que dar a última dose da vacina chata. A que pode ficar dolorida e dar febre. Uma tortura para as mães.
Como ela dormiu bem à tarde, fomos quase as últimas a chegar no Posto de Saúde. A enfermeira sempre com cara de poucos amigos. E, pior, a fofa se lembrou dela. Chorou antes, mas se conformou. Eu, sério, rezei. E fiquei dizendo na hora da temível picada. “Não vai doer. A enfermeira tem mão boa!”. O choro, o grito veio. Mas foi breve. A pequena é durona.
Não gostei do resultado. Achei sua perna marcada quando fui checar na pracinha,durante o passeio-presente pelo incômodo da vacina.
Mas como era efetivamente um belo dia, Agatha passou incólume. E eu terminei esse dia com a minha mão em cima do coraçãozinho dela, enquanto ela pegava no sono, sentindo-me uma mulher muito, muito antiga. O bater do coração dela me transportou para muito longe. Depois me lembrei que a Clarice Lispector é quem me ensinou essa sensação em uma crônica que ela descreve seu filho comendo um picolé de chocolate. Nesses momentos a gente tem uma compreensão intensa e feliz da vida. Afinal, felicidade são esses bocados de transcendência que a gente experimenta de vez em quando. Quando tudo faz sentido. E é no viver juntos, na luta do mundo da vida que a gente consegue efetivamente transcender, ter uma visão holística de nossos gestos cotidianos. Isso se intensifica quando ritualizamos, imprimimos sentido ao sem sentido, mas não centrados em nós mesmos, mas nos Outros. No Outro íntimo e no Outro coletivo.
Quando, enfim, saímos do nosso umbigo.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
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