quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Chico Buarque



Cada país tem seus ídolos. E eles representam esse papel para um determinado povo porque sintetizam em si algo que todos desta determinada sociedade valorizam. Ao começar o documentário “Chico Buarque: um artista brasileiro”, com o próprio cantando uma música com o ponto de vista de um negro escravo em vias de ser severamente castigado por supostamente ter visto a sinhá nua, Miguel Faria Jr sintetizou o que para os brasileiros medianamente informados Chico Buarque representa: um grande poeta bem humorado, músico, jogador de futebol, afeito à malandragem, que constantemente expressa algo que cala fundo em nós.
Mas estranhei que não falasse do engajamento dele com a luta pela reforma agrária. Que não é luta qualquer e na qual Chico, liderado por Sebastião Salgado e ombreando José Saramago, emprestou sua sensibilidade para dar visibilidade para a questão, então menos paralisada nacionalmente no ano de  1997.
Em tempos sombrios e ao mesmo tempo ridículos, é bom ver que a quinta essência do  brasileiro é inteligente, bem-humorada, crítica e malandra. Algo em mim  tem o Chico como representante, portanto algo temos em comum.   Temos alguma salvação.
Mas é esquisito um documentário desses  pular, nem sequer mencionar uma imagem daquele momento, dando a entender erroneamente que o Chico é um “liberal” como qualquer outro.  Desde o primeiro show “Canta Brasil”, em  1982, quando a luta pela reforma agrária, em plena ditadura militar, se expressava em Encruzilhada Natalino (RS), Chico era atento a ela.  Doou seu cachê para o acampamento.

Eu tenho uma lembrança engraçada desse show. Fui com minha mãe. Adentramos o gramado do Estádio Beira-Rio. Que emoção para uma menina colorada de 14 anos! E de repente, na hora que o Chico começou a cantar, minha mãe descolou um binóculo. E começou a gritar “Os holofotes! Ele tem holofotes azuis”. Fiquei perplexa. Nunca tinha visto minha mãe manifestar qualquer interesse por algum ídolo. E o choque dela com os “holofotes azuis” do Chico, me passando o binóculo para eu também olhar, me deixou cismada com aquele homem.  E me fez seguir a sua música. E com ela, eu cresci muito bem acompanhada de palavras, versos, músicas e emoções. Obrigada, Chico.