terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A Lógica Pau-Brasil


Pode parecer meio óbvio, mas sempre convém relembrar: o nome do país que nascemos  vem de uma árvore que praticamente foi extinta, dada a sanha predatória dos europeus que aqui chegaram. E essa lógica, a do “pau-brasil”, permanece.  Só isso explica, a meu ver, o transformismo e a mediocridade política de um partido que nasceu vinculado à defesa de bandeiras ainda válidas como a desmilitarização da polícia, a reforma agrária, a reforma política,  a distribuição de renda e a diminuição das desigualdades sociais gritantes que herdamos, aprofundada pelos 20 anos de regime militar.
Tudo bem, o PT pode até alegar que distribuiu renda nos 12 anos que esteve no poder. Mas foi baseando-se na lógica predatória. Aproveitou-se de mais um ciclo expansivo da nossa história, mas não redistribuiu a riqueza mais abundante e importante que temos: TERRA.
Ou seja, o custo disso será alto em relação a seus benefícios, dada a miopia política reinante. Ciclos econômicos expansivos sempre tivemos na nossa história, baseando-se, claro, em algum produto primário como o pau-brasil, que nem plantado era, sendo simplesmente extraído, assim, como toda a Mata Atlântica que o rodeava no litoral brasileiro.
 Hoje temos a soja, predando o cerrado e deixando atrás de si a falta d’água e o fim de alguns rios, visto que,  segundo alguns estudiosos, como Altair Sales Barbosa (http://www.jornalopcao.com.br/entrevistas/o-cerrado-esta-extinto-e-isso-leva-ao-fim-dos-rios-e-dos-reservatorios-de-agua-16970/)  não é só o desmatamento da Amazônia o responsável pela estiagem no nordeste. O cerrado, que fica no imenso planalto central brasileiro,  bioma mais antigo do Brasil, está extinto, dada a correção do solo de lá para plantar soja. E o pior: ele  funcionava como uma caixa d’água para o resto do país, graças às raízes subterrâneas de sua vegetação centenária. Junto com o cerrado, vários pequenos rio e riachos de lá foram terminando. Não é só o superpopuloso e problemático Sudeste que vai sofrer com isso. Só para ter uma idéia, tanto o Rio São Francisco, hoje moribundo,  como o Rio Amazonas dependem de nascentes que se originam no cerrado.
É importante frisar que o inchaço das grandes cidades do Sudeste não são fruto de geração expontânea. Não fosse a lógica predatória, não seríamos um país relativamente despovoado no sertão.  Sim, temos 8,5 milhões de kilômetros quadrados de extensão territorial, bem mais do que os 3, 2 milhões de kilômetros quadrados da Índia, que sustenta 1,2 bilhão de pessoas, mas temos a maior parte da população brasileira concentrada no litoral, mais especificamente do Sudeste, algumas delas passando bem mal. Não que a Índia seja um bom modelo, mas nós temos menos densidade populacional que os Estados Unidos, que tem 33 pessoas por kilômetro quadrado. Nós,  apenas 24 pessoas por kilômetro quadrado.
Mas porque tanta gente no litoral e no Sudeste? Basicamente, de 1960 a 1980, 30 milhões de brasileiros saíram do campo, buscando aplacar a falta de acesso à terra que os jogava na miséria e na dependência. Alguns deles foram simplesmente expulsos de seus míseros 1 alqueire de terra, onde plantavam para sobreviver e vendiam o seu excedente. A lógica predatória no Brasil é tão intensa que com a promulgação das leis trabalhistas para o campo, em 1962, muitos proprietários de terra resolveram expulsar os moradores e posseiros que viviam em suas fazendas para trocá-los pelos insumos e maquinários bancados pelos juros subsidiados fornecidos fartamente pela ditadura militar.  Mais “econômico” do que assinar carteira assinada ou correr o risco de perder um naco de terra para pessoas que viveram décadas em sua “propriedade”. Somos tão predatórios que grande parte das terras dessas “propriedades”, cada qual vinculada a alguma expansão econômica lucrativa de algum produto primário como o café e a cana-de-açúcar, são degradadas. Estima-se que no Brasil há 100 milhões de hectares de terras degradadas. E olha que temos 840 milhões de hectares. Portanto, não é pouco. Basta andar na Via Dutra e ver aqueles morros pelados cheios de voçorocas para entender do que se está falando.
Mas voltando ao PT. A mediocridade  do PT é tão grande e supreendente, que seria difícil imaginar lá pelos início do ano 2000 que teríamos uma Ministra da Agricultura nomeada por um governo do PT, dizendo que não há mais latifúndios no Brasil. Ela deve ser meio cega, porque basta viajar pelas estradas e ver tanta terra inculta, mal aproveitada e concentrada.  Segundo o IBGE, 69 mil proprietários de terra detêm 228 milhões de hectares. Bem  mais terra do os índios que, segundo a própria Kátia Abreu, seriam latifundiários:  são cerca de 900 mil brasileiros que vivem em 112 milhões de hectares. Ou seja, nada comparado com o naco de terra que concentram 69 mil brasileiros que ainda a devastam, sem às vezes deixar um pé de árvore ou mata nativa em pé.
Por sinal, ao contrário dos ruralistas representados pela Ministra, são esses brasileiros de etnia indígena, assim como os demais posseiros e povos tradicionais que vivem no interior do nosso país os que geralmente preservam e defendem as nossas florestas. É por conta da maioria deles que somos ainda um país com imensa biodiversidade.
Se fosse deixar para os ruralistas, seríamos uma paisagem degradada e monocultora. Talvez até tivéssemos que importar mais feijão do que importamos hoje, imaginem da onde? China! Sim, vendemos soja que não comemos para a China e importamos feijão, a base de nossa dieta alimentar. Somos dependentes do feijão chinês, acreditem se quiserem!
Mas a verdade mesmo é pior. Diversos geógrafos agrários brasileiros, como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, estimam que cerca de 80% das terras privatizadas do Brasil são pura grilagem. Apropriação indébita do patrimônio que é de todos brasileiros de qualquer cor. E nas barbas do Estado, quando não com seu franco consentimento, favorecendo pessoas bem informadas dos lugares onde as estradas de rodagem, ferrovias ou outros investimentos estatais iam ser feitos.  E danem-se quem estivesse no caminho. A própria Ministra Kátia Abreu, quando era senadora do DEM,  é  uma dessas que também tem nas costas a conta de ter expulsado famílias de pequenos agricultores de suas terras. No caso dela, ela expulsou a família do agricultor  Juarez Vieira Reis, das terras onde ele havia nascido em 1948, em uma espécie de reforma agrária invertida que beneficiou justamente ela e outros apaniguados do ex- governador do Tocantins Siqueira Campos. Na época da  reportagem que conta esta história, publicada na Carta Capital por Leandro Fortes, Katia Abreu estava assumindo pela primeira vez a Presidência da CNA (Confederação Brasileira de Agricultura). E prometia: “remover os preconceitos”  isolavam os ruralistas do restante da sociedade brasileira, por serem vistos como “protótipos do atraso”.
Pois é, não sei o que ocorreu, mas é fato que durante os anos PT na presidência, figuras  como o fundador da violenta UDR (União Democrática Ruralista), como Ronaldo Caiado, e a própria Kátia Abreu,  a “miss motoserra de ouro”, viraram políticos respeitáveis, até com cacife político para ocupar o lugar de destaque que hoje eles têm e fazer a infâmia de trabalhar para mudar a Constituição no que se refere aos direitos indígenas.

Como chegamos a isso? Eis a questão. Não venham me dizer que é porque precisamos das reservas que a exportação da soja traz para os cofres públicos?  De que adianta ter dólar no Banco Central se nos faltar o mais básico e necessário de tudo? ÁGUA