quinta-feira, 12 de junho de 2014

"Pátria de chuteiras" e autoconsciência nacional


Sim, a Copa óbvio  acontece. Mas as nossas caras categorias estão em risco. Uma sociedade sempre escolhe se identificar por alguns símbolos. E calhou que o Brasil e os brasileiros se identificaram com o futebol. Não deixa de ser interessante pensar no que isso revela do nosso “habitus nacional”.  Futebol é um jogo trágico. Alguns minutos passam como décadas e  lances milimétricos definem uma partida.
Mas o futebol tem mais. Calhou que nós, um povo mestiço, conquistou a simpatia do mundo todo e até de notórios inimigos públicos raciais e religiosos por conta da seleção canarinho, sempre tão colorida, ofensiva e alegre.   
O esporte, que é paixão mundial, exceto para os norte-americanos, nos alçou a pináculos de consagrações e trágicas derrotas.
Passar tradições adiante requer esforço. E eu fui socializada nas Copas do Mundo como se algo muito definitivo pudesse nos acontecer a cada partida jogada.
No entanto, a Copa do Mundo no Brasil aterrissou por aqui prenhe de contradições. Talvez redentoras. Bate algo profundo vendo a seleção entrando em campo e a segunda estrofe do hino,  sempre cortada,  cantada por um estádio lotado. Mas não tem como assistir a isso sem pensar na polícia  batendo em quem teima peitar essa festa, com argumentos bastante consistentes, dado o que esse espetáculo representou para cinco empreiteiras e seus sócios políticos, enquanto  nossas escolas e hospitais  públicos  mínguam.
Um país colonizado pelo sentido de interesses outros, com vários golpes para mantê-lo em seu lugar - basta lembrar a que nos assomou a 50 anos atrás - deu-se conta, no ano passado,  que alguns representantes nacionais dos interesses alheios sempre o fazem de bobo. Deu-se conta porque eles mexeram lá, onde era-se genuinamente apaixonado por nós mesmos. Afinal, pegamos o esporte inglês e o traduzimos em nossos termos, tornando-o belo e espantoso.
Não vou torcer contra o Brasil, porque simplesmente não consigo. Não quero. Seria ir contra mim. Mas vou torcer para que nessa copa, nós enquanto sociedade, assistamos  profundos riscos de significação e que algo mais sólido sobre nós mesmos venha à tona. Acho que podemos ir muito além desse espetáculo recheado dos logos de marcas das empresas que vivem a nos engrupir  de necessidades para encher seus bolsos, poluindo totalmente o visual que marca tanto nossa memória coletiva.  
Se for para ganhar, que seja limpo. Na raça.
De qualquer modo, já estamos contidos. Já desencantaram esse nosso mundo. Vai ver que é melhor. 

E óbvio que dada a atmosfera, diante da minha filha pequena de 4 anos, tinha que decidir como fazer.  Mostrei a entrada da seleção, o hino, expliquei o jogo. Ela comemorou o primeiro gol. Mas  se espantou por  tamanha tensão.    Até então, o que ela queria era jogar “chutebol”. Não entendia que a gente ia simplesmente ver outros jogando. Logo, preferiu mesmo ver desenho.