terça-feira, 14 de julho de 2009

Cinematografia indígena e os debates sobre o Brasil

Neste último domingo, dia 12 de julho se encerrou a mostra audiovisual "Primeiros Povos", no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal no Rio. O filme de encerramento foi um belíssimo documentário sobre Mário Juruna, o único deputado federal indígena que o Brasil elegeu até hoje, eleito pelos cariocas, ainda durante a ditadura.
Durante os 15 dias em que fiquei sabendo por acaso da mostra, procurei me programar para assisti-la e fui brindada por filmes belíssimos. Documentários feitos por brancos, por indígenas. Filmes de ficção, baseados em fatos reais....
Na última sessão, somente cerca de dez pessoas assistiam ao filme sobre Juruna, de Armando Lacerda, jornalista que fez questão de abrir a palavra para perguntas da platéia.
Estabeleceu-se um diálogo rico e revelador. Alguns espectadores estavam inconformados com a divulgação tacanha de uma mostra tão importante como essa. Uma francesa criticou as pouquíssimas páginas de livros escolares dedicadas aos povos indígenas no Brasil.
Sem entrevista com Juruna, que já andava muito doente com a diabetes que lhe levou embora, a memória deste grande personagem brasileiro é lembrada neste filme por seus parentes.Seu pai, seu filho, primos. A fotografia é belíssima. Os rostos filmados com textura. Os vincos. As cores das pinturas. As expressões dos xavantes. Chegamos à conclusão que uanto mais isoladas as aldeias, mais vida natural, mais os indígenas são saudáveis, belos, livres, dignos.
Mais perto da civilização branca, mais macarrão e, portanto, epidemia de diabetes.
O pai de Juruna, ainda vivo, mantém-se como seus ancestrais. É crítico de quem se aproxima muito da sedutora cultura dos brancos. E é saudável. Forte.
Mas como as imagens dos parentes têm como pano de fundo os discursos de Juruna na Câmara Federal, um dos espectadores fez a pergunta cabal: cadê as falas do Juruna? como podemos ter acesso a elas? Por que não usou mais?
Pois bem, o diretor explicou que dois picaretas contumazes da nossa Câmara Federal faziam questão de discordar do que Juruna falava e ele, sem experiência, não pedia para publicar. Resultado: pouquíssimas falas do nosso único deputado indígena foram publicadas nos Anais do Congresso Nacional! Elas estão registradas, mas não estão publicadas!!!!
Pelo que entendi, para ter acesso a elas, as coisas não são portanto, fáceis, como seriam se todas os seus discursos tivessem sido publicados.
Ou seja, os dois "nobres" deputados, um de nome japonês, que infelizmente não guardei, faziam questão de impedir isso. Manobras regimentais para apagar com uma memória, com a presença do Juruna naquela "Casa". Isso me fez lembrar as criminosas manobras perpetradas pelo "Centrão" durante a Constituinte de 1988 para enterrar a reforma agrária. A coisa foi bem pesada e está bem relatada em livro do saudoso José Gomes da Silva. É de deixar os cabelos e pé. No caso da reforma agrária, os caras do Centrão nem mediram esforços: feriram o regimento e mandaram ver.... passando por cima de figuras que tentaram segurar as pontas, como o Severo Gomes, e sobretudo, da vontade popular que na época havia conseguido 1 milhão de assinaturas para enfim dividir os latifúndios do Brasil...
Mas é isso, a sina dos povos indígenas, a sina dos posseiros, dos sem-terra e dos quilombolas. Eles sempre tentam de qualquer jeito apagar de alguma maneira a memória e com a visibilidade dessas demandas.
Filmes como o "Serra da Desordem", "Terra Vermelha", retratam bem o outro lado os interessados nesse silenciamento: fazendeiros truculentos, criminosos. Um Estado frágil para fazer valer os direitos desses povos que são de fato os verdadeiros brasileiros de quatro costados.
No fim das contas, toda a questão da terra no Brasil passa pelo reconhecimento do direito ancestral de posse, de todos esses povos. Mesmo os sem-terra, que originalmente entram em uma terra improdutiva, geralmente tiveram seus ancestrais, seus parentes expulsos, seja economicamente ou à bala, de suas roças há algum tempo atrás.
O monopólio da terra no Brasil é usualmente fruto de crimes de grilagem. Isso rola no país desde a fatídica Lei de Terras de 1850. O problema é que quem fez o grilo já não está mais na terra, passou ela adiante, e o atual dono apresenta um "papel" provando sua propriedade.
Independente do papel, é é a posse que deveria valer. Em todos os casos. E, como em muitos países europeus,deveria haver limite para o tamanho das propriedades para que todos, literalmente todos os brasileiros, tivessem direito de ter um naco de terra para fazer dela o que bem entender, desde que respeitando a legislação ambiental, trabalhista e a função social da propriedade....
O fato de uma mostra como essa não ter tido repercussão e filmes como o "Juruna, o espírito da floresta", "Serra da Desordem" e "Terra Vermelha" não terem sido objeto de debates públicos intensos, quando foram lançados, até mesmo por suas qualidades estéticas, demonstra que a permanência de uma estrutura fundiária injusta no Brasil é produto do fato de que seus jornalistas, pensadores e intelectuais, os que produzem os debates públicos, não usam seus espaços de expressão para debater filmes como esses. Cultura é debate. Perto dos filmes anódinos que o Brasil vem lançando recentemente, podemos considerar que o pano de fundo de toda a tragédia agrária brasileira é a ignorância de setores influentes desta sociedade. E essa ignorância provavelmente é produzida conscientemente pelos grupos interessados de sempre na manutenção desse silenciamento e dessa ordem social injusta, tanto é que, lá pelos idos da ditadura, se organizaram para que as falas do Juruna não fossem devidamente publicadas nos Anais do Congresso Nacional.