sexta-feira, 5 de março de 2010

Cesar Battisti, Olga Benario e o STF

Há alguns meses atrás, quando Gilmar Mendes proferiu a decisão do STF sobre a deportação do Battisti, ou seja, que ele, enquanto presidente do STF, lavava as mãos jogando a batata quente do destino do ativista de extrema esquerda italiano para as mãos do presidente Lula, achei que, dada a polêmica que este caso havia gerado no país, a decisão seria rápida. Acompanhei meio atrasada os lances da polêmica, mas ficou claro que estava em jogo um caso que no fundo era para explicitar o tipo de polaridade política que vem permeando o Governo Lula.
Sim, porque só em um contexto de polaridade é que poderia sair uma sentença classificando de comuns os crimes de que Battisti é acusado na Itália, quando era ativista de extrema esquerda. O mais curioso foi ver comentários de gente batendo palma para esta decisão em blogs, como o de Reinaldo Azevedo. Quem não conhece, esse tal de Azevedo é colunista da revista “Veja” que, hoje em dia representa o partido mais azedo e estridentes contra Lula, PT e presidentes latino-americanos de esquerda, como Chaves e Evo Morales. Sem querer entrar no mérito das atuações destes presidentes, é fato que algumas matérias desta revista, publicada pela Editora Abril, referentes a essas figuras parecem tão panfletárias quanto qualquer jornaleco partidário de quinta.
Claro que, neste panorama, se destaca a figura de Mino Carta, que torce pela deportação de Battisti não por compartilhar da visão política desta turma, mas provavelmente pelo ressentimento que nutre com o estrago que fez o pessoal da extrema-esquerda italiana, como Battisti, ao panorama político possível da década de 70 na Itália, quando ocorreu um dos piores crimes desse tipo: o sequestro e o assassinato do político da Democracia Cristã italiana, Aldo Moro.
Mas, a meu ver, o pior neste caso particular, é a quantidade de gente que achava normal a pressão que o governo italiano do Berlusconi vem fazendo em cima do Brasil. Digamos que um país,como a Itália, que não entregou um criminoso de colarinho branco como o Cacciola, humilhando, a meu ver, o governo e a justiça brasileiros, não tem o menor direito de pedir reciprocidade da nossa parte, ainda mais quando se sabe que a condenação de Battisti foi à revelia e pode ter sido a saída que seu ex-companheiro delator encontrou de livrar-se de condenação maior.
Independente de todos essas questões, acho interessante explorar a similitude existente entre a traumática entrega de Olga Benário para os alemães em 1936 e a imputação hoje recorrente da responsabilidade do então presidente Getúlio Vargas nessa decisão. Esta memória histórica compartilhada me veio à tona quando o Gilmar Mendes decidiu responsabilizar Lula por qualquer decisão final referente ao destino de Battisti.
O livro de Fernando Morais aponta alguns dos juízes do STF responsáveis pela vergonhosa entrega de uma mulher grávida, judia e comunista ao governo nazista...mas um outro livro que li sobre a época aponta que o presidente do STF de então, o Gilmar Mendes da época era o Vicente Rao.
O que ninguém comenta é que provavelmente esta decisão do Supremo Tribunal Federal da época estava vinculada ao clima de opinião pós-Intentona, provavelmente histérico contra os comunistas após seu fracassado levante de 1935. Ao contrário de alguns ignorantes em história, não estávamos ainda na ditadura Vargas em 1936, portanto, as instituições que funcionavam na época tiveram liberdade de ação para decidir. Mas a pecha de culpa foi para Vargas que, efetivamente talvez pudesse ter feito algo para coibir tal decisão, mas não fez, agradando a Filinto Muller que, como sabemos era o chefe da polícia política da época e havia sido expulso da Coluna Prestes... ou seja, era um desafeto público do pai da criança que Olga trazia na barriga. Mas o que importa é que, na época a decisão final sobre a deportação foi mesmo do STF. Mas a responsabilidade histórica é atribuída ao então presidente Getúlio Vargas.
A meu ver hoje, embora não corra o risco de morrer em um campo de concentração, o fato de a decisão sobre o destino de Battisti ter sido entregue nas mãos de Lula contém o mesmo tipo de capciosa armadilha que caiu sobre Vargas sobre esse tema específico. Muitas pessoas, intelectuais até de peso, não tem meias palavras para chamar Getúlio de fascista tanto por esse caso, como pelo Estado Novo... como pela Carta del Lavoro, de Mussolinni, que inspirou as Leis trabalhistas que seu governo implantou no país.
Objetivamente, as pessoas esquecem que, após a implantação do Estado Novo, ele teve que enfrentar de arma na mão golpistas de tons nazistas e integralistas que, em 1938, invadiram o Palácio das Laranjeiras, onde então presidente vivia, ameaçando toda a sua família. Esta turma era formada pelos descontentes com o fato de que a instituição do Estado Novo colocou tanto a esquerda como a direita do tabuleiro político da época representada sobretudo pelos Integralistas, fora da lei.. Depois desse episódio, tendo se comprovado a participação de funcionários ligados à embaixada alemã no Brasil, Vargas foi o primeiro governo do Ocidente a expulsar um embaixador nazista do país, pouco depois de a Inglaterra e a França engolirem o sapo de ver Hitler anexar impunemente os Sudetos, parte da hoje República Checa, à Alemanha. Provavelmente, estes países achavam que aplacariam a fome de expansão nazista, tolerando isso, mas a atiçaram ainda mais.
Voltando ao caso que hoje envolve o presidente Lula, o que se imagina que pode vir a acontecer com Battisti se for enviado para a Itália? Executado ele não será, mas certamente, a responsabilidade por qualquer coisa que lhe aconteça no futuro será provavelmente imputada a Lula que, será considerado traidor dos direitos humanos pela mesma turma que estridentemente faz campanha para dá-lo de presente para o governo Berlusconi. Na verdade, a maioria dos antepassados políticos dessa turma são os mesmos que fizeram a estridente campanha pública contra os comunistas na década de 30, criando o clima de opinião que favoreceu a expulsão ilegal de Olga. É uma turma que possui uma ojeriza quase patológica contra a esquerda e seu grande representante político atual, como hoje em dia sabemos, é o jurista que até recentemente presidia o STF, Gilmar Mendes.