quinta-feira, 17 de maio de 2007

O presidente e o pesadelo Sarkozy

Eleito com 53% dos votos, Nicolas Sarkozy tomou posse como Presidente da República da França no dia 16 de maio.

Neste mesmo dia, no trem que liga Rouen a Paris, um jovem de origem árabe entrou no vagão e resolveu colocar em alto volume a música que escutava, acordando imediatamente os passageiros que aproveitavam a deixa para tirar uma pestana. Duas jovens se aproximaram dele e pediram que baixasse o som, para que pudessem continuar a descansar. Imediatamente, o rapaz começou a gritar e insultar todo o vagão: “Fdp... franceses.... Sarkozy, etc!.” Ficou cerca de uma hora misturando insultos aos franceses e francesas em geral com o nome do atual presidente e, segundo uma criança atenta, repetiu 61 vezes a expressão “fdp”...

Na mesma noite, em um restaurante em Paris, na hora de pagar a conta, algumas moças começam a brincar com o garçom, dizendo que só iam pagar se ele lhes revelasse seu nome. O rapaz, meio sem graça, não teve saída:

“Tenho um nome maldito: Nicolas”.

Estes são exemplos do tipo de ruptura que representa a chegada de Sarkozy à Presidência da França. Ele domina o inconsciente dos franceses tanto em termos de sonho, como de pesadelo. Por sinal, não é sem significado que na noite mesma de sua eleição no dia 6 de maio, houve tumultos e queimas de carros registrados em várias regiões da França.

Mas se o barulho é feito pelos descontentes, é importante reconhecer que Sarkozy foi eleito por uma grande margem de votos, em termos franceses: 6%.

Em suma, ele representa expectativas de uma França que, por um lado, admira e quer embarcar no barco do capitalismo anglo-saxão, encabeçado pelos Estados Unidos, e tem medo de figuras como o rapaz árabe, que teve uma reação completamente desmedida e permeada de ressentimentos ao pedido dos passageiros de trem. O tipo, por sinal, pode ser da terceira geração de uma família de argelinos imigrantes, que nunca foi realmente aceito e incorporado como francês de “souche”, ou seja, de raiz, não consegue bons trabalhos nem vê um horizonte social aberto para seu futuro. Sua tragédia reside no fato de ele não ser mais argelino, mas também não poder ser francês. E é um fato, já largamente estudado, que existe um muro social e cultural que bloqueia a incorporação de muito desses imigrantes pobres à sociedade francesa.

Esse entretanto, não é o caso de Sarkozy, filho de um imigrante da pequena nobreza húngara, que fugiu do país com a chegada do comunismo soviético.

Entretanto, o atual presidente também é produto de ressentimentos acumulados. Tendo crescido em bairros ricos, sua família enfrentou grandes dificuldades quando a mãe, francesa, abandonada pelo pai, teve que criar os três filhos sozinha. Ele já declarou publicamente que sofria de insegurança por causa de sua estatura, pela falta de dinheiro de sua família em relação aos vizinhos e pela ausência de seu pai. “O que fez o que sou agora foi a soma de todas as humilhações sofridas na minha infância”.

Animal político por excelência, com uma carreira meteórica repleta de traições (a Chirac, Balladour ) Sarkozy representa uma ruptura na tradição da clássica direita francesa, que desde De Gaulle, funcionava como contrapeso e pedra no sapato das ambições unilaterais norte-americanas. É importante lembrar que De Gaulle rompeu com a Otan e foi sua desconfiança sobre as reservas de ouro que garantiam Breton Woods que acabou revelando que não havia mais paridade entre reservas de ouro e o valor do dólar.

Ao contrário da linhagem de Chirac, cuja oposição à Guerra no Iraque seguia a tradição gaullista, até ser oficialmente indicado pela UMP como seu candidato a presidência, Sarkozy era conhecido por seu “atlantismo”, ou seja, por seu apoio à política externa norte-americana. Em uma visita a George Bush, ele chegou a defender a guerra do Iraque. Entretanto, no dia de sua investidura como candidato, moderou seu discurso, revelando em que termos ele joga com a platéia. Deixou de ser o candidato da direita liberal e “atlantista” para representar a “direita gaullista”. Não se sabe entretanto, em que medida ele vai conduzir esse papel. Seu primeiro passo como presidente foi nomear como primeiro-ministro François Fillon, que tem uma imagem de “gaullista social”, mas tentou realizar reformas liberais que acabaram freadas por Chirac.

Outro exemplo de seu estilo são suas conversas com antigos colaboradores de Mitterand para comporem seu governo. Em suma, enquanto o Partido Socialista francês não consegue sequer se mostrar unitário para conquistar um bom espaço nas eleições legislativas, Sarkozy joga também com a possibilidade de ter figuras antigamente vinculadas à esquerda para embaralhar mais o meio de campo.

Aos 28 anos, eleito prefeito de Neully-sur-Seine, um subúrbio rico próximo de Paris, Sarkozy também se notabiliza por sua amizade com as principais fortunas da França, entre eles, “seu irmão”, Arnaud Lagardère, presidente de um grupo que controla, entre outros, a EADS (European Aeronautic Defence and Space Company), uma indústria de armamentos e de aviões, e a Hachette, a maior editora de revistas do mundo, com mais de 200 títulos. Figuram também entre seus “grandes amigos”, Martin Bouygues, que controla TF1 junto a Vincent Bollore, o milionário que lhe empresou o Iate para suas férias pós-eleitorais na Ilha de Malta, que causou grande repercussão na imprensa francesa.

Seu estilo de se reportar diretamente aos amigos para controlar as notícias que lhe desagradam já vem causando apreensão no país. O caso mais notório foi o da demissão do editor do semanário “Paris-Macht”, Alain Genestar, por ele ter publicado fotos de sua mulher Cecília, com seu amigo, o publicitário Richard Attias, no verão de 2005, quando o casal ficou temporariamente separado.

A mulher de Sarkozy, por sinal, foi novamente o pivô de uma novo mal-estar no ambiente jornalístico francês, já na primeira semana após sua eleição. O jornal eletrônico “rue 89” de ex-jornalistas do "Liberation", publicou que repórteres do "Journal du Dimanche", descobriram que Cecília não votou no segundo turno das eleições. O editor do jornal, propriedade do Grupo Lagardère, inicialmente decidiu publicar a matéria, mas ela acabou não saindo, segundo o “89”, por conta de pressões recebidas na redação do jornal pela tropa de choque de Sarkozy. Em entrevista à agência France Presse, o diretor do "Jornal du Dimanche", Jacques Espérandieu, negou ter recebido pressões e disse que a matéria caiu única e exclusivamente por sua decisão pessoal. Ele considerou a notícia de “cunho privado” e achou importante que o artigo fosse acompanhado de uma chamada telefônica à principal interessada, que não respondeu aos repórteres. De qualquer modo, a ONG “Repórteres Sem Fronteira” já manifestou publicamente sua preocupação com o estilo Sarkozy de lidar com a mídia.

Resta saber se a esquerda francesa vai conseguir pelo menos se unir de algum modo para eleger um bom número de parlamentares nas eleições legislativas e ter condições de bloquear as reformas de Sarkozy, que certamente vão aterrissar. Senão, é bem provável que a temperatura volte a crescer nas ruas. Com seu estilo autoritário – reconhecido pela própria mãe – e com amplos poderes para governar, ninguém sabe bem onde isso pode parar.

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