segunda-feira, 2 de abril de 2007

A panela de pressão e o direito à resistência

As duas últimas semanas foram marcadas por dois eventos relacionados com um aumento de um clima de tensão que envolve uma questão ainda muito mal digerida na França: ter se tornado o destino de grandes levas de imigrantes, muitos dos quais vivendo em situação irregular.
Além das diferenças culturais, muitos desses imigrantes se tornam mão-de-obra barata, disputando postos de trabalho com os locais que, por outro lado, em geral, não estão dispostos a fazer esses trabalhos.
A dificuldade que gerações sucessivas desses imigrantes encontram para se integrar plenamente na sociedade francesa faz aumentar cada vez mais a tensão, ao mesmo tempo em que as novas levas de imigrantes ilegais enfrentam frequentes situações de humilhação e prisão por parte das forças públicas, que empreendem hoje a política endurecida implementada por Sarkozy, a ponto de provocar o desabafo de alguns policiais que se sentem contrangidos de passarem a atuar não contra delinquentes, mas contra pacíficos e honestos pais de família
A aparente cordialidade francesa em relação ao seu atual multiculturalismo, na verdade, esconde dois tipos bem claros de posição que se dividem entre os que apoioam o Sarkozy, Le Pen, e os que apoiam os candidatos de esquerda.
Na terça-feira, dia 20 de março, um senhor chinês foi preso por um grande número de policiais, acompanhados de cachorros, enquanto se apressava para ir buscar um de seus netos em uma escola da região. A prisão, efetuada na frente de uma escola maternal, na Rua Rampal, indiginou os pais de outras crianças que se mobilizaram contra a detenção ostensiva e desnecessária, , tentando impedir inclusive com seus corpos diante dos carros, que ele fosse levado embora. Diante da reação dos pais, os policiais não hesitaram em partir para violência, usando inclusive gás lacrimogênio, que poderia ter atingido as crianças que saíam da escola naquele horário.
Na sexta-feira da mesma semana, a diretora da escola maternal Valerie Boukobza, onde ocorreu o choque entre a população e a polícia, foi presa e interrogada para prestar explicações sobre sua atitude, correndo risco de sofrer um processo por obstrução do trabalho da polícia. Na frente da delegacia, pais, alunos da escola se protestavam contra a detenção da diretora e contra ações ostensivas desse tipo, muitas das quais ocorrem na frente das escolas públicas, humilhando simples e pacíficos pessoas, frequentemente na frente de suas crianças. O episódio com o senhor chinês havia sido o segundo da semana na mesma rua, diante das mesmas escolas.
Na segunda-feira seguinte, dia 26, mais de mil pessoas , entre pais de alunos, professores, estudantes e representantes de associações como SOS Racismo e Rede de Educação Sem Fronteiras se reuniram na frente do reitorado de Paris (órgão responsável pela gestão das escolas) em protesto contra a detenção arbitrária da diretora da escola maternal Rampal na sexta-feira anterior. Valerie alegou ter tentado impedir a prisão do senhor chinês para cumprir com seu "dever de proteção das crianças e de seus pais", assim como por seu "direito a uma resistência pacífica a uma forma de opressão".
Na terça-feira, dia 27, foi a vez da Gare du Nord servir de palco para um quebra-quebra após a detenção de um congolês que pulou a catraca para não pagar o transporte, foi pego pelos controladores, mas reagiu aos policiais. A ação dos agentes serviu para acender o estopim que poucas horas depois resultou na destruição de vitrines de lojas, saques e enfrentamento físico entre jovens e o batalhão de choque. A Gare du Nord é, na verdade, uma panela de pressão. Quem passa por lá todos os dias conta que existem grupos de jovens de diversas origens que se reúnem lá diariamente e provavelmente, afim de uma boa confusão, aproveitaram o aumento da temperatura para encenar mais uma batalha com a polícia. Nunca sei obviamente para que serve isso. Para que engolir essa isca que aumenta ainda mais o estigma desses protestos e desses grupos sociais? Obviamente que o efeito desse quebra-quebra nos jornais no dia seguinte já foi sentido em termos de campanha presidencial, aparentemente com pontos positivos para a política endurecida do Sarkozy, que curiosamente havia deixado seu posto no Ministério do Interior justamente no dia anterior ao quebra-quebra na Gare du Nord. O candidato, por sinal, também tinha uma viagem marcada para o interior da França no dia seguinte, que saía justamente dessa estação, tendo a oportunidade de dar suas declarações indignadas contra os baderneiros de sempre justamente no tal campo da "batalha".
Em suma, a reação em apoio à resistência pacífica invocada pelos professores, pais de alunos e grupos organizados contra a crescente maré de prisões de imigrantes ilegais nas portas das escolas foi engolida pela bombástica atuação dos, talvez, "inocentes úteis" de sempre, expondo por outro lado, esse difícil e complexo processo de integração social e cultural que existe na França e nos demais países europeus em relação a essa nova maré de imigrantes pobres que vêm bater à sua porta em busca de melhores condições de vida.

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