Cada país tem seus ídolos. E eles representam esse papel para
um determinado povo porque sintetizam em si algo que todos desta determinada
sociedade valorizam. Ao começar o documentário “Chico Buarque: um artista
brasileiro”, com o próprio cantando uma música com o ponto de vista de um negro
escravo em vias de ser severamente castigado por supostamente ter visto a sinhá
nua, Miguel Faria Jr sintetizou o que para os brasileiros medianamente
informados Chico Buarque representa: um grande poeta bem humorado, músico,
jogador de futebol, afeito à malandragem, que constantemente expressa algo que
cala fundo em nós.
Mas estranhei que não falasse do engajamento dele com a luta
pela reforma agrária. Que não é luta qualquer e na qual Chico, liderado por
Sebastião Salgado e ombreando José Saramago, emprestou sua sensibilidade para
dar visibilidade para a questão, então menos paralisada nacionalmente no ano de
1997.
Em tempos sombrios e ao mesmo tempo ridículos, é bom ver que
a quinta essência do brasileiro é
inteligente, bem-humorada, crítica e malandra. Algo em mim tem o Chico como representante, portanto algo
temos em comum. Temos alguma salvação.
Mas é esquisito um documentário desses pular, nem sequer mencionar uma imagem daquele
momento, dando a entender erroneamente que o Chico é um “liberal” como qualquer
outro. Desde o primeiro show “Canta
Brasil”, em 1982, quando a luta pela
reforma agrária, em plena ditadura militar, se expressava em Encruzilhada
Natalino (RS), Chico era atento a ela.
Doou seu cachê para o acampamento.
Eu tenho uma lembrança engraçada desse show. Fui com minha
mãe. Adentramos o gramado do Estádio Beira-Rio. Que emoção para uma menina colorada
de 14 anos! E de repente, na hora que o Chico começou a cantar, minha mãe
descolou um binóculo. E começou a gritar “Os holofotes! Ele tem holofotes azuis”.
Fiquei perplexa. Nunca tinha visto minha mãe manifestar qualquer interesse por
algum ídolo. E o choque dela com os “holofotes azuis” do Chico, me passando o
binóculo para eu também olhar, me deixou cismada com aquele homem. E me fez seguir a sua música. E com ela, eu
cresci muito bem acompanhada de palavras, versos, músicas e emoções. Obrigada,
Chico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário