Sim, a Copa óbvio
acontece. Mas as nossas caras categorias estão em risco. Uma sociedade
sempre escolhe se identificar por alguns símbolos. E calhou que o Brasil e os
brasileiros se identificaram com o futebol. Não deixa de ser interessante
pensar no que isso revela do nosso “habitus nacional”. Futebol é um jogo trágico. Alguns minutos
passam como décadas e lances
milimétricos definem uma partida.
Mas o futebol tem mais. Calhou que nós, um povo mestiço,
conquistou a simpatia do mundo todo e até de notórios inimigos públicos raciais
e religiosos por conta da seleção canarinho, sempre tão colorida, ofensiva e
alegre.
O esporte, que é paixão mundial, exceto para os
norte-americanos, nos alçou a pináculos de consagrações e trágicas derrotas.
Passar tradições adiante requer esforço. E eu fui
socializada nas Copas do Mundo como se algo muito definitivo pudesse nos
acontecer a cada partida jogada.
No entanto, a Copa do Mundo no Brasil aterrissou por aqui
prenhe de contradições. Talvez redentoras. Bate algo profundo vendo a seleção
entrando em campo e a segunda estrofe do hino,
sempre cortada, cantada por um
estádio lotado. Mas não tem como assistir a isso sem pensar na polícia batendo em quem teima peitar essa festa, com
argumentos bastante consistentes, dado o que esse espetáculo representou para cinco
empreiteiras e seus sócios políticos, enquanto
nossas escolas e hospitais
públicos mínguam.
Um país colonizado pelo sentido de interesses outros, com
vários golpes para mantê-lo em seu lugar - basta lembrar a que nos assomou a 50
anos atrás - deu-se conta, no ano passado, que alguns representantes nacionais dos
interesses alheios sempre o fazem de bobo. Deu-se conta porque eles mexeram lá,
onde era-se genuinamente apaixonado por nós mesmos. Afinal, pegamos o esporte
inglês e o traduzimos em nossos termos, tornando-o belo e espantoso.
Não vou torcer contra o Brasil, porque simplesmente não
consigo. Não quero. Seria ir contra mim. Mas vou torcer para que nessa copa,
nós enquanto sociedade, assistamos
profundos riscos de significação e que algo mais sólido sobre nós mesmos
venha à tona. Acho que podemos ir muito além desse espetáculo recheado dos
logos de marcas das empresas que vivem a nos engrupir de necessidades para encher seus bolsos,
poluindo totalmente o visual que marca tanto nossa memória coletiva.
Se for para ganhar, que seja limpo. Na raça.
De qualquer modo, já estamos contidos. Já desencantaram esse
nosso mundo. Vai ver que é melhor.
E óbvio que dada a atmosfera, diante da minha filha pequena
de 4 anos, tinha que decidir como fazer.
Mostrei a entrada da seleção, o hino, expliquei o jogo. Ela comemorou o
primeiro gol. Mas se espantou por tamanha tensão. Até então, o que ela queria era jogar “chutebol”.
Não entendia que a gente ia simplesmente ver outros jogando. Logo, preferiu mesmo
ver desenho.
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