Alguém ouviu falar da decisão sobre o Battisti? O Gilmar Mendes já deve ter voltado de férias...mas a turma do Berlusconi está tão enrolada com o escândalo de seu chefe com a marroquina que o governo italiano deve estar dando um tempo dessa quebra de braço em torno do azarado do Battisti. Pelo visto, o destino dele depende do rumo do escândalo sexual do premier italiano.
No ano passado, quando Gilmar Mendes proferiu a decisão do STF sobre a deportação do Battisti, ou seja, que ele, enquanto presidente do STF, lavava as mãos jogando a batata quente do destino do ativista de extrema esquerda italiano para as mãos do presidente Lula, achei que, dada a polêmica que este caso havia gerado no país, a decisão seria rápida. Na época já era evidente que Battisti havia se tornado um símbolo que explicitava um tipo de polaridade política que estava em jogo no Governo Lula: os lulistas de tradição de esquerda versus os anti-lulistas, anti-PT, anticomunistas...
Sim, porque só em um contexto de polaridade infantil e primária é que um Superior Tribuna de Justiça poderia proferir uma sentença classificando de comuns os crimes de que Battisti é acusado na Itália, quando era ativista de extrema esquerda. O mais curioso era ver comentários de gente batendo palma para esta decisão em blogs, como o de Reinaldo Azevedo, colunista da revista “Veja” que, hoje em dia, representa o partido mais azedo e estridentes contra Lula, PT e presidentes latino-americanos de esquerda, como Chaves e Evo Morales. Suas matérias sobre eles são um exemplo primoroso de como funcionam as visões panfletárias dos jornais de quinta categogria. Sempre fui uma jornalista de posições políticas abertas, portanto, sei bem a diferença entre crítica jornalística e panfletagem travestida de jornalismo.
Claro que, no casi Battisti, se destaca a posição de uma figura como Mino Carta, que torce pela deportação de Battisti não por compartilhar da visão política desta turma, mas provavelmente pelo ressentimento que nutre com o estrago que fez o pessoal da extrema-esquerda italiana, como Battisti, ao panorama político possível da década de 70 na Itália, quando ocorreu um dos piores crimes deles: o traumatizante sequestro e o assassinato do político da Democracia Cristã italiana, Aldo Moro.
Mas, a meu ver, o pior neste caso particular, é a quantidade de gente que acha normal a pressão que o governo italiano do Berlusconi vem fazendo em cima do Brasil. Digamos que um país,como a Itália, que não entregou um criminoso de colarinho branco como o Cacciola, humilhando, a meu ver, o governo e a justiça brasileiros, não tem o menor direito de pedir reciprocidade da nossa parte, ainda mais quando se sabe que a condenação de Battisti foi à revelia. Ele não estava presente no julgamento, não teve direito à ampla defesa e pode ter sido o bode-expiatório que seu ex-companheiro delator encontrou para livrar-se de condenação maior. Só o fato de haver essa dúvida justifica sua permanência no Brasil.
A não ser que eles anunciem novo julgamento ou algo do gênero...Mas não é isso que eles querem, senão, não teriam esquecido dele em meio ao escândalo envolvendo seu chefe maior...
Independente de todos essas questões, como já escrevi em outro momento, acho importante explorar a similitude existente entre a traumática entrega de Olga Benário para os alemães em 1936 e a imputação hoje recorrente da responsabilidade do então presidente Getúlio Vargas nessa decisão. Esta memória histórica compartilhada me veio à tona quando o Gilmar Mendes decidiu responsabilizar Lula por qualquer decisão final referente ao destino de Battisti. O divertido disso tudo é que dada a pressão italiana, a batata quente voltou para o colo do Mendes.
Mas voltando ao caso da Olga, o livro de Fernando Morais aponta alguns dos juízes do STF responsáveis pela vergonhosa entrega de uma mulher grávida, judia e comunista ao governo nazista. Outro livro que li sobre a época aponta que o presidente do STF de então, o Gilmar Mendes da época, era o Vicente Rao.
Quando se pensa nesse caso escabroso, acho curioso que que ninguém comenta é que é bem provável que esta decisão do Supremo Tribunal Federal da época estava vinculada ao clima de opinião pós-Intentona, provavelmente histérico contra os comunistas, após seu fracassado levante de 1935, que foi, de fato, uma iniciativa equivocada. Ao contrário de alguns ignorantes em história, não estávamos ainda na ditadura Vargas em 1936, portanto, as instituições que funcionavam na época tiveram liberdade de ação para decidir. Mas a pecha de culpa foi para Vargas que, efetivamente talvez pudesse ter feito algo para coibir tal decisão, mas não fez, agradando a Filinto Muller que, como sabemos era o chefe da polícia política da época e havia sido expulso da Coluna Prestes... ou seja, era um desafeto público do pai da criança que Olga trazia na barriga.
O que importa é recordar que, na época, a decisão final sobre a deportação foi mesmo do STF. Mas a responsabilidade histórica é atribuída ao então presidente Getúlio Vargas.
Embora não corra o risco de morrer em um campo de concentração, o fato de a decisão sobre o destino de Battisti ter sido passada por Mendes para às mãos de Lula continha o mesmo tipo de capciosa armadilha que caiu sobre Vargas sobre esse tema específico. Muitas pessoas, intelectuais até de certo peso, não tem meias palavras para chamar Getúlio de fascista tanto por esse caso, como pelo Estado Novo... como pela Carta del Lavoro, de Mussolinni, que inspirou as Leis trabalhistas que seu governo implantou no país.
Objetivamente, as pessoas esquecem que, após a implantação do Estado Novo, Vargas teve que enfrentar de arma na mão golpistas de tons nazistas e integralistas que, em 1938, invadiram o Palácio das Laranjeiras, onde então presidente vivia, ameaçando toda a sua família. Esta turma era formada pelos descontentes com o fato de que a instituição do Estado Novo colocou tanto a esquerda como a direita do tabuleiro político, da época representada sobretudo pelos Integralistas, fora da lei.. Depois de terem comprovado a participação de funcionários ligados à embaixada alemã no atentado à famíla do presidente, o Brasil foi o primeiro país a expulsar um embaixador nazista do país, pouco depois de a Inglaterra e a França terem "engolido o sapo" de ver Hitler anexar impunemente os Sudetos, parte da hoje República Checa, à Alemanha. Os franceses e ingleses erroneamente achavam que aplacariam a fome de expansão nazista, tolerando isso, mas a atiçaram ainda mais.
Voltando ao caso que hoje envolve o governo brasileiro atualmente, o que se imagina que pode vir a acontecer com Battisti se for enviado para a Itália? Executado ele não será, mas certamente, a responsabilidade por qualquer coisa que lhe aconteça no futuro seria imputada a Lula se ele tivesse enviado Battisti à Itália, sendo, talvez na posteridade, considerado traidor dos direitos humanos pela mesma turma que estridentemente faz campanha para dá-lo de presente para o governo Berlusconi. Na verdade, a maioria dos antepassados políticos dessa turma são os mesmos que fizeram a estridente campanha pública contra os comunistas na década de 30, criando o clima de opinião que favoreceu a expulsão ilegal de Olga. É uma turma que possui uma ojeriza quase patológica contra a esquerda. Nos últimos tempos um de seus representantes políticos mais ativos era o jurista que até recentemente presidia o STF, Gilmar Mendes.
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