quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Suicídio em série

Publicado mais reduzido na revista "Carta Capital", edição de 25 de jullho de 2007

A França foi sacudida recentemente por uma onda de suicídios ligados ao trabalho. O último deles ocorreu na segunda-feira passada, dia 16 de julho, na fábrica de Mulhouse do grupo automobilístico PSA Peugeot Citroen. Um operário de 55 anos foi encontrado enforcado por seus colegas em pleno local de trabalho. Com esse caso, totaliza-se em seis o número de suicídios de funcionários do grupo desde o início do ano.

Conhecidos mundialmente por seus vinhos, hábitos culinários refinados, por seu apreço à estética e por seu espírito revolucionário, os franceses então, entretanto, entre os povos da Europa Ocidental que mais se suicidam: são 11 mil casos, fora as tentativas que ficam na casa dos 150 mil por ano. É a maior causa de morte violenta no país, bem na frente de acidentes de trânsito e de homicídios,

O assunto, considerado tabu tanto por empresas como por sindicatos, passou a ter repercussão quando foi divulgado, no início de 2007, o segundo caso de suicídio cometido na principal “vitrine” da Renault, o futurista Technocentre de Guyancourt, complexo que centraliza a área de engenharia e projetos da empresa. De nada adiantou, entretanto, a marcha silenciosa organizado pela CGT (Confederação Geral do Trabalho) em memória dos colegas mortos. Pouco tempo depois, outro engenheiro lotado no local, se suicidou em casa, deixando uma carta em que apontava dificuldades que enfrentava no trabalho como causa de seu gesto.

Agora a Renault corre o risco de ser processada criminalmente por essas mortes, de acordo com o dossiê entregue ao Procurador da República de Versalhes, na primeira semana de julho. Segundo o jornal “Le Monde”, a delegacia do trabalho adotou a tese da ligação entre os três suicídios e considera que a empresa não facilitou as investigações, o que significam penalidades bem mais duras para a empresa. A Renault havia recorrido, no dia 27 de junho, contra a decisão que reconhecia o primeiro suicídio como acidente de trabalho. Sua tese é que essas mortes são casos isolados, sem relação com as condições de trabalho.

Foi logo depois que veio à tona os casos de suicídio na outra montadora francesa, PSA Peugeot-Citroen. Em fevereiro, David Criquy, 31 anos, operário da fábrica da Peugeot de Charleville-Mezieres deixa uma carta de adeus denunciando que seus chefes lhe impunham uma sobrecarga de trabalho sem lhe dar o menor reconhecimento. Dois dias depois, um colega segue seu exemplo, mas sobrevive. Em maio, foi a vez de três operários da seção de ferragens de fábrica de Mulhouse, antecedidos por um colega que se enforcou, no dia 19 de abril, em um pequeno local, onde estava fazendo o controle das peças.

Para a CGT, o sofrimento destes trabalhadores está diretamente ligado à degradação das condições de trabalho com a diminuição de postos nas fábricas, ameaças de transferência e os novos métodos de gestão de mão-de-obra, como o japonês Hoshin, que implicam cada vez mais os trabalhadores no processo de produção, exigindo desempenho individual com responsabilidades cada vez mais altas. A PSA-Peugeot não considera que esses casos tenham ligação específica com o ambiente de suas fábricas, mas que refletem a situação global da sociedade francesa. De qualquer modo, o último caso registrado em Mulhouse, ocorreu 15 dias depois de a empresa ter colocado à disposição de seus funcionários um “número verde” , que presta atendimento psicológico gratuito, e uma semana depois da primeira reunião de uma "célula psicológica" destinada a prevenir este fenômeno.

Além dessas montadoras francesas com unidades funcionando no Brasil, a outra empresa a registrar sucessão de suicídios foi a estatal francesa de energia, a EDF-GDF. Em um período de dois anos houve quatro casos de agentes da central nuclear de Chinon. No fim de maio, entretanto, veio à tona um caso particular: o suicídio de uma funcionária da área de recursos humanos de cerca de 50 anos, transferida um mês antes de Saint Etienne para Lyon, no processo de reestruturação dos serviços de pessoal de cinco unidades da empresa, que teve seu monopólio de fornecimento de energia quebrado em fins de junho, por exigência de acordos firmados entre países membros da União Européia.

Embora ainda não exista estatística oficial sobre o fenômeno, essa “epidemia” e seus efeitos em cadeia indicam que a França pode ser um dos países ocidentais onde mais se comentem suicídios por razões ligadas ao trabalho. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o país ocupa o terceiro lugar atrás da Ucrânia e dos Estados Unidos, no ranking dos países que registram maior número de depressões ligadas a atividades profissionais.

Para especialistas do CNAM (Conservatoire National des Arts et Métiers), “as novas técnicas de organização do trabalho geraram uma maior solidão entre os empregados”. Baseados em dispositivos elaborados para medir desempenhos individuais dos funcionários, essas novas formas de gerenciamento exigem um maior envolvimento no trabalho, através de “políticas de mobilização” de mão-de-obra. Portanto, além da força física e da habilidade intelectual, exige-se forças subjetivas do indivíduo, seu “engajamento” , que, por sua vez, tem repercussões salariais importantes no final do mês, como observa o sociólogo Yves Cohen, da Ecole des Hautes Études em Sciences Sociales, que trabalhou como operário na Peugeot nos anos 70.

Como subproduto, esses dispositivos gerenciais geram maior concorrência entre os colegas e aguçam a solidão em uma prática eminentemente coletiva que é o trabalho. “Não que antigamente os patrões fossem mais formidáveis, mas as pessoas suportavam juntas, havia mais solidariedade entre os funcionários”, sublinha Rachel Saada, advogada da viúva de um dos engenheiros da Renault. “Hoje os assalariados estão muito sozinhos, têm que ter resultados individuais e é muito mal visto ser sindicalizado”.

Para Christophe Dejours, psiquiatra e diretor do laboratório de psicologia do trabalho do CNAM, o próprio convívio diário está “contaminado por jogos estratégicos que arruínam as relações de confiança e colonizam o espaço privado”. Ele observa que isso é mais agudo nos cargos mais altos, onde os profissionais se envolvem em uma luta para não perder sua posição e progredir na carreira.

O psiquiatra e professor de medicina legal, Michel Debout, que preside hoje a UNPS (União Nacional de Prevenção ao Suicídio) explica que a maior parte dos suicídios na França ocorre entre homens na faixa de 30 a 60 anos (6.200 dos 11 mil anuais), portanto, em plena idade produtiva. Mas, segundo ele, “ninguém pode dizer quantos desses morrem por problemas profissionais”. Ele reconhece, entretanto, que em um contexto de “guerra econômica”, de “globalização” e de desemprego, é visível o aumento de pressão sobre os trabalhadores que “são espremidos como limões”, mas não têm seus esforços reconhecidos, o que gera uma perda de confiança em si mesmo e na empresa. Para ele, membro honorário do Conselho Econômico e Social da República da França, alguns casos dos suicídios recentes podem ser considerados “sacrificiais”, “de protesto”.

Segundo Dejours, o fenômeno do suicídio no trabalho é recente. Começou de uns dez anos para cá. Até então esses casos ocorriam entre agricultores e assalariados agrícolas endividados, onde os ambientes de vida e de trabalho se confundiam. Fora desses, os arquivos de medicina do trabalho referem-se somente a casos ocorridos nos domicílios dos empregados. “Os constrangimentos ligados à organização do trabalho mudaram na França e no mundo e estão na origem da aparição dos suicídios no trabalho. Isso começou a ocorrer no Brasil, na Bélgica e em outros países”. Através desse ato radical, esses funcionários, sentindo-se exaustos, impotentes e incapazes, soltam este grito silencioso que, por sua vez, gera um efeito traumático entre os colegas e mesmo entre seus superiores hierárquicos, o que explica a sucessão de casos em uma mesma unidade, como ocorreu nessas empresas. Dejours explica que a reprodução do ato é justamente o efeito da cortina de silêncio e da culpabilidade que, em geral, cercam esses casos. “O fato de a empresa não reagir acaba significando que a pessoa morta não representava nada, pois mesmo um suicídio não tem poder de parar o trabalho”.

A empresa emblemática

Em uma segunda-feira de outubro de 2006, um engenheiro de informática de 39 anos, pai de um menino de 11, saiu de casa para ir ao trabalho, contrariando sua mulher, que queria levá-lo ao médico. Depois de muitas noites em claro, às voltas com um projeto prioritário para a empresa, disse que naquela manhã teria uma reunião que seria “capital” para sua carreira. Poucas horas depois, este funcionário de elite se jogou do 5º andar do prédio principal do Technocentre da Renault. Três meses depois, um técnico que ia ser promovido a engenheiro, foi encontrado afogado em um reservatório localizado próximo ao complexo de engenharia. A perícia concluiu que ele havia cometido suicido. Um mês depois, foi a vez de outro engenheiro, de 38 anos, mas desta vez, em casa.

Presidida desde 2005 pelo brasileiro Carlos Ghosn, a Renault é uma empresa emblemática na França. Criada por Louis Renault e nacionalizada por De Gaulle em 1945, como punição pelo colaboracionismo de seu proprietário com os nazistas, ela faz parte do imaginário dos franceses não só por sua importância industrial como pelos avanços sociais obtidos por seus trabalhadores. Até ser privatizada por Mitterand, além de produzir carros, a empresa funcionava como um espécie de banco do Estado francês, a ponto de ser corrente a expressão, “quando a Renault pega um resfriado, a França tosse”.

Não foi, portanto, à toa que os três casos ocorridos no Technocentre gerassem grande repercussão e colocassem essa questão em pauta no país. Mesmo com a privatização, na cabeça das pessoas continuava vigente a idéia de que trabalhar na Renault era melhor do que em outras empresas. Sobretudo no Technocentre de Guyancourt

Em funcionamento desde 1995, trabalhar nesta cidade tecnológica era considerado um privilégio, sobretudo para engenheiros amantes de automóveis. Entretanto, com suas câmaras internas e sua atmosfera impessoal, a cidade freqüentada diariamente por 12 mil pessoas passou a ser apelidada de “Alcatraz”, segundo o delegado da CGT, Vincent Neveu. “Ela foi construída para máquinas, não para pessoas”, diz ele.

Ä chegada de Ghosn na presidência, com fama de “cost killer”, anunciando um ambicioso plano de metas para 2009, cobrando mais produção, mais qualidade a custos mais baixos, aumentou ainda mais a pressão.

De acordo com a advogada, o discurso de Ghosn de “Zero faltas para as máquinas se aplicava para os homens”. Ela acredita que o marido de sua cliente sofria com a ausência de reconhecimento e com um gerenciamento difícil de suportar. “As pessoas são colocadas em competição o tempo todo e têm que trabalhar muito”. Segundo Neveu, o delegado da CGT, dentro do Technocentro há projetos mais interessantes e melhor remunerados do que outros e se você reclama de algo, certamente te colocam na geladeira. Lá também a remuneração do assalariado depende justamente do envolvimento no trabalho, que por sua vez vinha sendo mensurado por uma “pesquisa engajamento”, que foi objeto de denuncia da confederação no ano passado.

Para melhorar o clima na empresa e as condições de trabalho no Technocentre, a Renault anunciou um plano de apoio a seus engenheiros e a contratação de um reforço de 110 especialistas na área automobilística. Para a CGT, que considera as medidas insuficientes, o brasileiro tem pelo menos o mérito de assumir publicamente a existência do problema.

“Há um noção de fracasso que foi mal interpretada”, reconheceu Ghosn recentemente. “A empresa não tem direito ao fracasso. Nós devemos ter êxito nos nossos compromisso. Mas os indivíduos têm direito ao fracasso, sem cair na complacência, claro. É só tentando que pode-se ter sucesso”.

Segundo o consultor de empresas Didier Toussaint, que publicou um livro sobre a Renault, o clima pesado na empresa vem de muito tempo, bem antes de Ghosn. Segundo ele, essa atmosfera, por sinal, é comum na maioria das empresas francesas. Ele cita o economista, Tomas Philippon, autor de “Le Capitalisme d’héritiers”, que aponta a má qualidade das relações de trabalho como uma das causas da perda de dinamismo da economia francesa. De acordo com Philippon, o gosto desmesurado dos franceses pela hierarquia teria como uma de suas conseqüências o bloqueio à ascensão dos mais criativos e competentes, privilegiando a herança e a reprodução social no recrutamento de suas elites. Por conseqüência, imperam relações sociais no trabalho marcadas pela insatisfação e desconfiança, que têm como única contrapartida um sindicalismo historicamente combativo. Entretanto, com a decadência das mobilizações sindicais, trabalhadores de várias categorias mais uma vez desenvolveram uma forma de protesto, neste caso, trágico e silencioso.

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A morte do bom patrão

Em meio ao debate sobre suicídios de trabalhadores, a França foi pega de surpresa pela morte de Pierre Jallate, 89 anos, ex-dono da fábrica de galochas que leva seu nome, hoje controlada pelo grupo italiano JAL. Algumas semanas antes de seu aniversário, no dia 8 de junho, o antigo patrão se matou com um tiro de fuzil em seu quarto. Seu gesto, tomado no mesmo dia de uma reunião definitiva sobre a transferência da fábrica para a Tunísia causou comoção na pequena Saint-Hippolyte-du-Fort, vilarejo de 3 604 habitantes, onde Jallate construiu a fábrica que dirigiu até 1983. Para os 285 trabalhadores ameaçados de perder o emprego, não há a menor dúvida: seu antigo patrão morreu por eles. Agora, todo o vilarejo sente-se órfão, porque, claro, Jallate era como um “pai”, amado e venerado. Um tipo, em suma, em extinção.

"Côté Fromage"

Cheguei no Brasil no dia 5 de julho e, desde então, enxergo a França e sua capital de longe, depois de ter me habituado com suas ruas, seu dia-a-dia, seu jeito de ser.
Paris é uma cidade evidentemente muito bonita e agradável de viver. Não chovesse tanto e ficasse tão frio ela seria uma eterna beleza. Capital de um império, ela foi pensada para ser bela e assim é mantida com orgulho por seu povo e por seu Estado nacional. Suas ruas requintadas, museus, monumentos, restaurantes e confeitarias arrebatadoras recebem cerca de 20 milhões de turistas todos os anos... classificados por meu pai de "os abobados de Paris".
Obviamente que com essa montanha de turistas, os parisienses não são considerados os mais simpáticos anfitriões do mundo. Mas ao contrário de sua fama mundial, eles foram geralmente simpáticos e até bem humorados durante a minha estadia. Depois de uma inicialmente ruim com uma vendedora de bilhetes de trem, que teve uma conclusão feliz graças ao atendimento de outra vendedora, em outra agência, resolvi cunhar a expressão "côté fromage" e me concentrar mais nela.
Todos os lugares e pessoas têm seus lados bons e ruins. Eu resolvi denominar o lado bom de Paris e da França de "côte fromage". Esse povo é inquestionavelmente bom nessa área: a dos queijos. Imgina que um dos queijos mais deliciosos que eles criaram, o Conté, é feito por uma associação de camponeses de uma região da França desde a Idade Média! Fico obviametne completamente encantada por isso... E como eu adoro queijo, dei esse nome ao lado bom deles. Resolvi não batizar o lado ruim... Talvez eu tenha tapado o sol com a peneira, mas é uma estratégia interessante de sobrevivência em países estrangeiros.
A verdade é que cheguei à conclusão que os franceses não andam assim tão distantes da gente . A única diferença grande mesmo é o fato de eles se levarem meio a sério demais.... o que diminui inconstestavelmente seu senso de humor.
Mas, para padrões europeus, eles sempre chegam atrasado (15 minutos é o padrão), não abrem instituições como bancos e correio na hora... e adoram serem insubordinados. As regras estão lá, mas se der para passar a perna, eles passam. Claro que, o grau de civilidade deles é mais alto. Esqueci meu chapéu duas vezes em lugares diferentes. Voltei, e ele estava lá.
Ninguém mexe no que pode ser de outro. Eles contam que a pessoa volte.
Eu esqueci meu chapéu por nem 10 minutos em um restaurante em São Paulo, e sumiram com ele.
Os parisienses são muito educados, embora de uma maneira distante. Mas tem uma coisa deles que eu incorporei. Acho até que eu era realmente uma grossa antes disso. Você não entra em algum lugar sem dizer "bonjour". Antes de te responder qualquer coisa, a pessoa do lugar espera sempre por esse "bonjour" que é também uma maneira de reconhecer que tem alguém ali, que essa pessoa existe, etc. Eu cansei de entrar em lojas para dar uma olhada discreta e sair no Brasil. Lá eles acham grosseria você entrar em algum lugar e não dizer o tal "bonjour". Fui perguntar o preço de uma coisa em uma espécie de "Americanas" de lá e a vendedora, antes de me responder, olhou para mim e exigiu: "bonjour", né???
De resto, eles gostam de trabalhar pouco, de jogar conversa fora nos botecos deles e fazer festa.
São divertidos e críticos. Só têm uma maneira diferente de se relacionar. Não sei se é um padrão anglo-saxão incorporado nas sucessivas invasões que eles sofreram de vikings, ingleses, etc. Eles não têm uma maneira fluída de se relacionar. Tudo tem que se agendado com antecedência. Tudo é programado. Não há lá muito espaço para o improviso. Essa necessidade de a gente saber um do outro, que é mais ou menos o que constrói a amizade, de ligar só para saber como anda a vida... saber novidades, creio que não rola. Pelo menos não em seis meses. O telefonema é feito de maneira sempre objetiva.
Os estrangeiros, portanto, que não fizeram amigos franceses na escola, na faculdade acabam encontrando uma sociedade aparentemente impermeável. Mas isso talvez seja o quadro comum de todo imigrante seja lá onde for. Aqui as amizades são mais fluídas à priori. Mas sabe-se lá se acabam não se tornando mais descartáveis e superficiais. Mas a verdade é que eu preciso dessa maneira fluída de me relacionar. Não gosto desse espaço que existe normalmente entre as pessoas nos países mais ao norte da Europa, como na Dinamarca. O dia-a-dia é mais leve, mais sociável. A França talvez fique nessa fronteira. Mas eu procurei sempre prestar mais atenção naquilo que lhes tornava mais próximos de mim, da minha cultura. E encontrei. Talvez o segredo do tal "côte fromage" seja esse: procurar sempre o que os outros têm de melhor. Aí se acha.