segunda-feira, 26 de março de 2007

o debate político francês

Em plena campanha presidencial, a França vive uma contradição curiosa. Um dos candidatos mais fortes ao Eliseu é um senhor chamado Sarkozy, que endureceu a entrada de imigrantes na França, embora ele próprio seja filho de um imigrante húngaro.
Foi no debate do banlieu em Drancy que essa informação curiosamente chocante foi esgrimida por um descendente de argelinos, que vive aqui já na sua terceira geração.
Ele perguntava em alto e bom som: "o que o pai do Sarkozy fez pela França? Meu pai, meu avô lutaram pela França e até hoje eu sou visto aqui como argelino. Não como francês! Quero perguntar para o Sarkozy o que o pai dele fez para França!
Pois é, essa manifestação emocionada sintetiza claramente um dos pólos desse debate.
Um rapaz, Mustafá, que se apresentou como operário, emendou: "O problema dos franceses é acharem que todos eles descendem do Asterix, a identidade nacional francesa é o seu patrimônio de lutas! A Revolução Francesa! É o próprio Chirac ter se recusado a enviar tropas para o Iraque!"
Uma das senhoras, presentes na mesa, francesa de inúmeras gerações, fez questão de frisar: "nosso patrimônio é a generosidade com que recebemos os estrangeiros". Um outro participante do debate criticou essa visão de que o povo francês é acolhedor, falando da dificuldade que os imigrantes italianos enfrentaram ao chegarem na França no século XIX. Para ilustrar isso, ele também mencionou a deportação dos judeus, durante a Segunda Guerra Mundial.
Com dados na mão, Rashid, também participante da mesa, disse que 89% das empresas francesas discriminam imigrantes.
Eis em suma, a encruzilhada por onde passa a França atualmente. Sua identidade nacional, construída no século XIX não dá mais conta da diversidade de sua população hoje. Seu caminho é criar guetos comunitários como a luta pela discriminação positiva fez nos Estados Unidos ou mesmo na Inglaterra, onde as comunidades são reconhecidas, a luta contra o racismo avançou, mas cada grupo se fecha em sua própria cultura étnica, religiosa ou nacional? E o racismo não me parece ter diminuído muito...
Como fazer a identidade nacional francesa arejar para receber essas influências culturais de seus imigrantes, há várias décadas vivendo na ex-metrópole, mas até hoje vistos como não-franceses?
Obviamente, este debate tem me feito pensar no que aconteceu no Brasil. Na forma de integração assimilacionista, que chega de mansinho, contamina e produz alguma coisa outra e que se traduz pelo elogio da mestiçagem...sem obviamente resolver o problema da integração social... O fato é que os imigrantes estrangeiros que vieram da Itália, Alemanha, Polônia, Japão, China, etc. comeram o pão que o diabo amassou, mas se dizem e são vistos como "brasileiros". Comeram, talvez menos pão amassado pelo diabo... porque a gente tem a tendência de celebrar o estrangeiro. Recebemos eles às vezes tão de portas abertas que a revolução de 30 teve que decretar uma Lei obrigando as empresas brasileiras a contratar brasileiros. Tinha que ser no mínimo 2/3 da sua mão-de-obra. Sem a lei, elas só contratavam italianos e imigrantes em geral, mais treinados ao regime disciplinar industrial...
Alguma coisa em um meio termo desse comportamento pode ser uma saída.
No nosso caso, ainda continuamos com o desafio de incorporar a massa de brasileiros pobres aos benefìcios econômicos e sociais de uma sociedade verdadeiramente integrada socialmente...mas pelo menos, culturalmente, todos somos brasileiros, sem nenhum pingo de dúvida...

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