Desconfiava que ser mãe era bom. Afinal, geralmente toda mulher saudável gosta. Mesmo as que enfrentam duras condições de vida. Dá trabalho. Mas nenhuma cogita em voltar o filme para percorrer outro caminho. Os filhos, como são, como vieram parar em nossos colos, alteram completamente a percepção da vida. Ao se tornar mãe, toda mulher tem a oportunidade de se transportar para outra dimensão.
Por outro lado, achava espantoso pensar como a maior revolução do século XX, a das mulheres ocidentais, deixou a maternidade pelo caminho. Se bem que não, se formos observar do ponto de vista da demanda por direitos sociais, como saúde e educação, especialidades femininas.
O fato é que o debate atual sobre as diferenças entre os sexos, o chamado discurso pós-feminista, é produto do fato de que, depois de tantas conquistas na cena pública, as mulheres da atual geração passaram a buscar a maternidade conscientemente. A vantagem que é ser mãe não é é mais uma obrigação inescapável para uma mulher de vida sexual ativa, não exige casamento formal nem é necessário uma união com o pai, embora seja bom contar com eles... Além disso, independe de orientação sexual.
Foi uma memorável aula de Yvone Knibiller que me esclareceu o quanto o feminismo, não visto sob o prisma das lutas de fato, mas sob o prisma da ideologia da igualdade entre os sexos havia deixado a maternidade pelo caminho. Sobretudo para as leitoras de Simone de Bouvoir, para quem a maternidade simplesmente é o que igualava as mulheres aos animais, não produzindo maior transcendência.
Há pouco descobri um artigo acadêmico que fala do tal “maternalismo”, conceito usado por alguns historiadores para descrever lutas de mulheres que a partir do século XIX tiveram como ponto de partida demandas sociais vinculadas à maternidade. Foi uma surpresa saber que o pontapé inicial das algumas mobilizações de mulheres foi justamente a maternidade. Parece até que houve um Congresso Nacional das Mães nos Estados Unidos no século XIX. Ou seja, todos os movimentos feministas da primeira fase, portanto do século XIX e do início do século XX podiam ser classificados como “maternais”, já que a maternidade constituía a principal definição social das mulheres brancas, protestantes e da pequena burguesia norte-americana que deram início a esse movimento.
Para alguns historiadores esses movimentos eram conservadores, para outros revolucionários. O fato é que, embora desconsiderem provavelmente a questão das classes sociais, estes movimentos desembocam em uma compreensão sobre esta atividade altamente vinculada ao gênero feminino.
Não podemos esquecer que as operárias também apreciavam poder se consagrar a seus filhos. Muitos sindicatos de trabalhadores do século XIX lutavam contra a contratação de mulheres nas fábricas, influeciados por Proudhon e seu culto à mãe de família devotada.
Pessoalmente gosto de ver aquelas pessoas que gostam de “criar” crianças, e é mais comum ver mulheres assumindo estas tarefas, vindas da barriga dela ou não. E acho importante que algumas lutas tenham desembocado no reconhecimento do papel das mães como um “trabalho”, ou seja, tendo este valor, mesmo não sendo “pago”,monetariamente falando, pois isso favoreceu ao aumento da autonomia das mulheres no interior da instituição conjugal e sustentou direitos sociais que estão associados a papéis considerados femininos e, portanto, subalternos, de uma sociedade. Embora haja o risco de reforçar a ideologia patriarcal, é fato que muitas mulheres despertaram para lutas sociais porque gostariam apenas ter seus filhos com a traquilidade de contar com um bom atendimento público de saúde, creches, licenças-maternidades, horários justos de trabalho, educação pública de qualidade e moradia.. Eis o sonho que embalou muitas lutas sociais aparentemente insignificantes, por serem lutas micro, não pautadas para grandes transformações sociais, mas que deixaram valores perenes em sociedades, como a brasileira. Valores aos quais os próprios partidos conservadores hoje têm que se dizer partidários.
É por essa e outras razões que a luta das mulheres do século passado foi a que trouxe transformações mais perenes para o mundo. Tirando a mania dos fundamentalistas islâmicos, cuja suposta cultura resolveu retroceder neste assunto, os passos que foram dados adiante pelas mulheres ocidentais não voltaram atrás. Seu exemplo para mulheres de outras sociedades incomoda porque como toda e qualquer emancipação, ela destrona alguns senhores simbólicos e reais e redesenha profundamente o mundo social.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
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