Até vir morar no Rio de Janeiro e, então, curtir seu carnaval, nunca havia entendido porque passava na TV a apuração das notas das Escolas de Samba e porque tanta gente acompanhava isso com imensa paixão.
No primeiro ano que passei ca rnaval aqui, parti para a Ilha Grande no dia seguinte. Tinha assistido uma noite do desfile das escolas especiais e fiquei, de fato, maravilhada com a passagem da Beija Flor, já dia, mas com uma imponência e uma energia impressionante para quem já andava cochilando na arquibancada. Acordei quando ela entrou na avenida e fiquei tão empolgada que daí tirei energia para cantar todo o desfile e ir para casa, já exausta. Na barca, indo para a Ilha Grande, sentado ao meu lado, estava um casal daqueles brancos meio aloirados dourados pelo sol. Um casal bonito, bem alimentado, provavelmente de classe média alta que acompanhava com impressionante emoção, para meus olhos, a apuração das escolas por um rádio de pilha. Era aquele tipo de casal, estilo Barra da Tijuca, torcendo cada qual por sua escola com incontida emoção. Em suma, quem pensa que aqui há clivagem social na paixão pelo carnaval está completamente errado. Nenhum deles torcia pela Beija-Flor, mas achavam justo se ela ganhasse. E ela merecidamente venceu aquele carnaval de 2005. Em 2006, a Vila Isabel levou com sua homenagem à America Latina, mas em 2007, lá veio a Beija-Flor de novo.
Neste carnaval, não vi desfile, mas acompanhei, por acaso, a apuração em um buteco.
Notei que a cada quesito apurado, rolava aquela emoção de final de campeonato de futebol. Na medida que a Beija-Flor ia ganhando os pontos, reinava a insatisfação. Até que um homem em uma mesa gritou: "Aqui nesse nosso país, tudo é roubado!"
Aí entrei na conversa. Vi que o dono do buteco, silenciosamente torcia para a Beija-Flor, pois ela tinha sido, segundo ele, a melhor. Os outros, torciam para a Portela, Salgueiro, Vila Isabel.... O mesmo que reclamou da suposta roubalheira perguntou para mim para que escola eu torcia.
Eu expliquei que não era do Rio. Era de Porto Alegre e ainda não tinha ainda escolhido uma escola.
E então, ele lembrou: "Terra do Mario Quintana!" e começou a falar emocionado dele.... E aí, eu tive que concordar que aqui nesse país muita coisa é roubada mesmo... Lembramos juntos como é que um poeta como Quintana foi humilhado nunca sendo escolhido para a Academia Brasileira de Letras que tem entre seus membros José Sarney.... e tinha o Roberto Marinho!!!!!
Pois é, pensam que o povo é bobo, mas a cafajestagem às vezes é tão explícita que cria essa desconfiança constante das instituições a ponto de as pessoas desacreditarem dos resultados., não importam quais e de que tipo, o que contamina a vida social com uma espécie de cinismo político. Os cariocas em geral não são nada despolitizados. Tornaram-se cínicos. A revolta sem canal apropriado de expressão desemboca no cinismo e no salve-se quem puder. O troco, o povo dá no carnaval e na sua inversão simbólica, no deboche constante, na gozação.... Mas, no fundo, o que há é sempre uma espécie de frustração, de nos terem tirado o que era justo, sem termos por onde tirara a limpo essa sacanagem de uma vez por todas.
De qualquer modo, a Beija-Flor ganhou..... não sei se por merecimento mesmo...Mas o gosto de que não foi justo ficou na boca das pessoas.
Pelo menos, a Império Serrano, a única escola que eu desfilei até hoje, quando eles homenagearam os sem-terra do MST em 96, foi campeã do grupo de acesso e agora volta a desfilar no grupo especial. Talvez, no fundo, sempre vá torcer mesmo para ela porque quem propicia essa maravilhosa e fugaz emoção de desfilar na avenida vai sempre ter lugar cativo na minha torcida.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
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